A dor de barriga (dor abdominal) nas crianças e adolescentes é uma queixa muito frequente, que interfere no seu bem-estar. Pode surgir em qualquer idade, de forma pontual ou repetitiva, alterando o seu dia-a-dia e gerando preocupações na família. É, por isso, motivo comum de consulta. Na maioria das vezes, não é causada por doenças graves, mas, de forma a existir um diagnóstico e orientação corretos, é fundamental a avaliação detalhada de cada caso.
Pode ser classificada como aguda, recorrente ou crónica e ter causa orgânica (alteração física), psicossomática (alteração emocional) ou funcional. Nesta última, existe uma combinação de fatores (genéticos, socioculturais, ambientais, psicológicos, do desenvolvimento e comportamento) que pode afetar o sistema digestivo e a sua comunicação com o cérebro.
Os órgãos da nossa barriga e o nosso cérebro têm uma ligação muito especial e complexa chamada eixo cerebrovisceral. Por vezes, as informações de um são interpretadas de forma errada pelo outro, gerando sensações desagradáveis, que podem dar lugar a um grupo vasto de patologias – as doenças gastrointestinais funcionais. Nestas, a motilidade, a sensibilidade visceral, a função mucosa e imune, a microbiota e o processamento central dos vários estímulos gastrointestinais podem estar alterados.
A dor abdominal funcional é o sintoma central das cólicas do lactente, da dispepsia funcional, enxaqueca abdominal e síndrome do intestino irritável. Acompanha também a obstipação, disquézia e náuseas e vómitos funcionais. Apresenta, geralmente, um padrão recorrente, com localização na região do umbigo e está mais presente nos períodos escolares. São situações que, apesar de desconfortáveis, não implicam perigo e que tendem a diminuir com o crescimento.
Na consulta, a história clínica pormenorizada e o exame físico são essenciais na orientação do diagnóstico. A idade e a história familiar são fatores importantes, assim como o tipo e intensidade da dor, a sua localização, a altura do dia em que surge, a sua duração e evolução, o que a faz agravar ou aliviar e que outros sintomas a acompanham. Os exames nem sempre são necessários, principalmente quando a suspeita é de doença funcional ou por exemplo de intolerância à lactose. No entanto, tornam-se imprescindíveis quando são identificados sinais de alarme como dor constante fora da região do umbigo, vómitos persistentes, hemorragia, queixas noturnas, perda de peso involuntária ou febre. Estes casos poderão ser situações mais graves como doença péptica, doença celíaca ou doença inflamatória intestinal.
O tratamento das doenças funcionais engloba a utilização de fármacos para minorar os sintomas que mais incomodam e estratégias não farmacológicas, dietéticas e psicológicas, para adaptação de comportamentos e hábitos. Desta forma, os episódios de dor poderão ser diminuídos e enfrentados de forma mais tranquila, trazendo o maior conforto possível e melhoria da qualidade de vida, tanto do doente como da família.